JOSÉ AFONSO
Passaram 23 anos após a morte de Zeca Afonso. Em 23 de Fevereiro de 1987, após uma dura luta contra a grave doença que o atormentava, viria a sucumbir no leito do hospital.
Muito já se disse do Homem, Poeta , Cantor e Compositor. Porém, nunca será de mais realçar o seu culto da amizade ao próximo, a solidariedade para com os mais desfavorecidos, a busca constante da liberdade para o seu Povo, bem presente nas suas canções.
Foste um "guerrilheiro" em que as tuas armas eram poemas e o ribombar dos teus canhões eram os sons das tuas baladas, entoadas em uníssono pelas multidões que te adoravam e adoram.
A censura e a repressão do antigo regime nunca te conseguiram calar. É de assinalar a ridícula acção da polícia política que em vésperas do dia 1º de Maio, te prendia preventivamente, para evitar que fosses fazer acções de canto livre junto das camadas trabalhadoras. Passada aquela data eras posto em liberdade.
A falta de liberdade antes de 25 de Abril de 1974, põe a ridículo as alegações caricatas de uns quantos políticos actuais que hoje apregoam não haver actualmente em Portugal liberdade de expressão. Onde está a censura prévia que cortava textos quase inteiros, a ponto de, o que restava, não ter qualquer sentido? Onde estão as prisões efectuadas nas madrugadas de hoje sobre aqueles que são de opinião política diferente do governo?
Tu, Zeca, para conseguires iludir os censores, em geral coroneis reformados, bordavas os teus poemas com expressões figuradas de simbolismos sub-reptícios de rara beleza.
Por falar em liberdade, lembro-me de um episódio a que felizmente assisti e que me marcou profundamente.
Decorria o ano de 1970 ou 1971. Foi publicitado que se iria realizar no Sport Operário Marinhense, pelas 21H30, uma sessão em que iria actuar José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e outros de que não recordo o nome. O evento gerou logo grande expectativa na juventude marinhense.
A sala estava repleta. Ao fundo do palco um grande cartaz com as primeiras letras de "Roseira brava, roseira...".
O espectáculo estava para começar quando chegaram elementos da polícia política- D.G.S., com ordens para proibir o evento. O ambiente da sala estava pesado, o nervosismo era visível nos rostos dos presentes. Zeca e Adriano percorriam o corredor entre as cadeiras, de um lado para o outro.
Um prestigiado médico local que se encontrava na sala como espectador, endereçou uma mensagem ao Governador Civil de Leiria, tomando a responsabilidade em como o espectáculo decorreria normalmente, sem alterações de ordem pública.
Mais uma espera e seriam talvez umas 23 horas quando veio a resposta: A sessão estava proibida!...
Não havendo mais nada a fazer, tu Zeca, dirigiste-te aos presentes e disseste: "Só nós estamos proibidos de cantar, vós não!... Sendo assim, cantem vocês para nós!..."
Então, perante os agentes atónitos, foi realizada uma sessão inesquecível em que, uma plateia em coro, interpretou um desfilar de canções cujas letras todos sabíamos de cor.
Hoje, constato com alegria que não só a minha geração, mas também os vindouros te admiram e essa é a maior prova da tua imortalidade.
Os "Lobos do Mar" e a Arte de Xávega na Praia da Vieira de Leiria
Não tem este texto qualquer pretensão de constituir uma crónica nem tão pouco um ensaio sobre a Arte de Xávega na Praia da Vieira. Ele resulta apenas da narrativa de factos reais vividos há muito como observador, factos esses que despertaram a sensibilidade de um adolescente e vistos agora, à distância, com os filtros do factor tempo.
Estamos nos primeiros anos da década de sessenta. O palco da acção é a Praia da Vieira para onde, anualmente, durante o mês de Agosto, a minha família se deslocava com "armas e bagagens" para gozar as férias de verão.
Naquele tempo, tratava-se de uma povoação relativamente pequena, com uma tipicidade própria das aldeias de pescadores, onde ainda abundavam as casas de madeira, não obstante já existirem construções doutros materiais, em especial, blocos feitos no local, de modo bastante artesanal, com cimento e areia da praia. Estas eram na sua maioria de pequenas dimensões e muitas delas ocupavam o mesmo espaço da anterior habitação em madeira.
No aspecto demográfico é de realçar o número limitado de habitantes. É preciso notar de que se tratava de uma localidade com uma costa climaticamente muito exposta aos ventos do norte e noroeste, de características dunares, com grandes movimentações de areias e um mar alteroso em grande parte do ano. Mesmo assim, terá sido a actividade piscatória que terá contribuido para a fixação populacional, em especial a pesca do arrasto. Só que esta era apenas possível nos meses de verão quando as condições atmosféricas e o estado do mar favoreciam o seu exercício. Logo, estamos a ver que se tratava duma actividade sazonal de pura subsistência. Para complementar os parcos rendimentos, os homens procuravam trabalho noutras actividades, sendo a mais relevante como operários nas fábricas de limas em Vieira de Leiria. Neste caso, a pesca era exercida depois do trabalho fabril e aos fins-de-semana. O quotidiano era ver esses trabalhadores fabris chegarem em correria nas suas bicicletas, depois da jornada de trabalho, engolirem à pressa uma frugal merenda e, entretanto, já o som arrastado dos búzios os chamava para o mar. Sons diferentes identificavam a respectiva campanha. Na época a que me reporto, existiam três campanhas: os "Teimosos", os "Falcões" e a "Redinha". As mulheres, dedicavam-se à venda de peixe nos mercados semanais do concelho, bem como a distribuição de porta-a-porta nos arredores, para onde se deslocavam a pé e com as canastras à cabeça. Daqui se pode imaginar quão duro era a vida destas gentes. Nos meses de verão, conseguiam auferir rendimentos suplementares alugando casas, muitas das vezes o seu local de habitação, transferindo-a para anexos, em alguns casos, sem o mínimo de condições de habitabilidade.
Voltando à actividade piscatória, a mais importante era a de arrasto, na vertente conhecida como Arte de Xávega, exercida com barcos de madeira, em forma de meia lua, com tamanho apreciável e dotados de quatro grandes remos. Por serem muito pesados, era necessária a força de braços de um grande número de remadores que, sob o comando do arrais e com o esforço cadenciado, conseguiam penetrar a massa de água oceânica e enfrentar as ondas. Logo que o barco entrava na água, começava a ser largada a corda cuja ponta tinha ficado em terra. O arrais, à medida que o barco avançava mar dentro, ia sempre libertando mais corda e, quando já estavam a uma distância considerável, entre um e três quilómetros, a outra ponta era amarrada à rede de cerco e esta, era igualmente largada cada vez mais longe. O fim da rede dava lugar ao saco. Depois do cerco feito, iniciava-se a viagem de volta, com a largada em sentido inverso, da rede oposta à primeira e, posteriormente, da corda respectiva, até a sua ponta atingir a praia.
Lembra-me o relato de pescadores de idade mais avançada, que em geral ficavam em terra a remendar as redes que se rompiam com o uso, descrevendo os vários desastres que ocorreram no mar, com consequências trágicas, enlutando muitas famílias. Como os barcos eram muito pesados e de difícil manobra, o seu andamento era lento e era necessário a todo o custo conservar a embarcação direita, dado que se ela ficasse atravessada, facilmente virava com as ondas, sepultando os pescadores que se encontravam a bordo. Os desastres mais trágicos foram causados por este facto e mesmo já junto à praia. O regresso era mais perigoso do que a entrada. Na entrada, a segurança do barco era exercida à custa de golpes de remos. À voz do arrais, respondiam os pescadores com remadas vigorosas que davam o impulso necessário à proa para furar as ondas. No regresso, com a ondulação pelas costas, era imprescindível evitar o arrastamento descontrolado da embarcação. A travagem era exercida pelo arrais ao enrolar a corda no bico da ré, dado que aquela, por suportar o peso da rede, evitava esse arrastamento.
Após a chegada do barco, passava-se à fase de puxar as redes para a praia que numa primeira fase era exercida por juntas de bois e, anos mais tarde, dado o custo ser elevado, à força de braços, num esforço hercúleo.Ao puxar a rede, era necessária a tracção combinada dos dois lados, para que estes viessem alinhados e o saco saisse direito. A coordenação das operações era exercida por um pescador com experiência e, na ponta final, geralmente pelo próprio arrais que, com estridentes toques de apito, orientava os condutores das juntas de bois. Esses condutores aguilhoavam os animais sempre que era necessária uma força suplementar que permitisse que a rede saísse mais rapidamente do mar. Quando o saco vinha cheio de peixe, ainda retenho na memória as manifestações de alegria dos pescadores, gritos de regozijo, saltando e atirando cestos e cabazes pelo ar. Mas, muitas das vezes a pesca era inglória, com o saco quase vazio ou o peixe de tal maneira miúdo que era atirado ao mar. Também em períodos de abundância de caranguejo, estes crustáceos eram igualmente deitados fora por não terem valor comercial, sendo frequente ver os pescadores descalços como sempre, ao abrirem o saco, sofrerem picadas de peixes-aranha e mordeduras de caranguejos cujas pinças se ferravam nos dedos dos pés, sendo necessário sacudi-los para eles se soltarem. A experiência dizia que quando havia muito carangueijo o peixe não abundava.
Assisti uma vez a um episódio que demonstra bem como era dura a luta destes homens. Numa jornada mais afortunada, o saco vinha completamente cheio e o peso do pescado era tal que as malhas rebentaram, abrindo um enorme buraco. Tinham apanhado um cardume de corvinas de grande tamanho. Pelo buraco, estavam-se a escapar grande número de peixes, mesmo à beira da praia. Então os pescadores, no intuito de salvar o fruto da sua labuta que ainda se mantinha no saco, fizeram uma barreira, colocando os seus corpos semi-nús colados ao buraco, dificultando a saída das corvinas. Apesar dos seus peitos ficarem ensanguentados com os ferimentos recebidos, conseguiram mesmo assim, capturar mais de 600 exemplares daquela espécie, na maioria, com muitos quilos de peso.
Na actividade piscatória nunca ninguém enriqueceu. Mesmo quando as capturas de peixe eram abundantes e, após a montagem duma lota improvisada na areia, de forma quadrangular e constituída por quatro estacas de madeira e uma corda à volta, o peixe era vendido em leilão, sendo este sempre dominado pelos intermediários que, chegando nas suas camionetas à hora da lota, licitavam os lanços de pescado. Os pescadores tinham de se sujeitar aos preços oferecidos porque só assim conseguiam vender o produto do seu trabalho. Do montante da venda ainda eram deduzidos os impostos, logo pouco sobrava. Tão escasso proveito para tão grande esforço. Como era dura a vida do mar!...
O Ciclismo da minha Infância
Estava a ver pela televisão um documentário sobre ciclismo quando me começaram a surgir na memória as Voltas da minha infância. Nessa altura, o ciclismo era um desporto muito mais humano do que nos nossos dias, dado centrar-se mais no atleta e no clube que representava.
As camisolas eram "limpinhas", o ciclista envergava as cores da sua equipa, sem qualquer tipo de publicidade. Do conjunto sobressaiam, o corredor que ia à frente na classificação geral - o camisola amarela e o guia do prémio da montanha - o camisola verde. Havia o maior respeito pelo trabalho dos adversários, a ponto de ser frequente quando um corredor passava pela sua terra, os outros participantes serem acometidos de um súbito "cansaço", possibilitando assim que o natural passasse em primeiro lugar junto dos seus.
A passagem da caravana pelas nossas terras era um acontecimento fantástico para a criançada. É preciso lembrar que ainda não havia televisão, apenas rádio. Aí uma hora antes da passagem dos ciclistas, começavam a aparecer os carros da publicidade, atirando aos espectadores que se encontravam à beira da estrada, os folhetos das marcas e produtos que comercializavam. Era empolgante disputar aqueles papelinhos que voavam em turbilhão pelo ar.
De vez em quando, aparecia um carro da organização da volta com altifalantes anunciando que os corredores já se encontravam próximos. Passado mais algum tempo, vinham vagas sucessivas de batedores motorizados da Polícia de Viação e Trânsito, com o som estridente das suas sirenes, não só informando que os ciclistas estavam quase a passar, como procurando manter a estrada livre dos assistentes mais entusiastas. Depois era o deslumbramento!... os ciclistas da nossa devoção ... e que ao longo de gerações sucessivas foram surgindo no panorama nacional: Trindade, João Roque, Leonel Miranda, Manuel Graça, Américo Raposo, Joaquim Agostinho no Sporting, Nicolau, Peixoto Alves, Francisco Valada no Benfica, Alves Barbosa no Sangalhos, Ribeiro da Silva no Académico do Porto, Joaquim Leão, Mário Silva, Sousa Cardoso no F.Clube do Porto ... e tantos outros que foram o orgulho e alimentaram o imaginário dos amantes da modalidade. Ninguém arredava o pé enquanto não surgisse o "Carro Vassoura", sinal de que a caravana já tinha inteiramente passado.
A Volta a Portugal começava sempre no Estádio José de Alvalade, com um conta-relógio por equipas. Era um momento mágico para uma criança como eu na altura. Sendo esta primeira etapa disputada à noite e com a iluminação do estádio quase apagada, tinha, porém, as luzes da pista acesas, dando um ambiente surreal com cambiantes de luz e sombras. Quando uma equipa prestava a sua prova, era lindo ver o reflexo das luzes nos raios das bicicletas e o som dos carretos qual mecanismo de relógio a passar junto dos espectadores. Depois era o entusiasmo da própria corrida, com as constantes mudanças de comando entre o grupo no intuito da equipa fazer os nove quilómetros com o menor tempo possível.
Agora, com o "progresso" e a acção devoradora do tempo, até as pistas de ciclismo foram destruídas!...
Apresentação
Como apresentação, posso afirmar que tive uma infância feliz. Apesar de meus pais não serem muito abastados, vivendo do seu trabalho, tive muitas coisas que outros miúdos não possuíam. Fui baptizado duas vezes . O primeiro acto, com pouco tempo de idade, foi-me ministrado por uma prima já adulta e com o intuito de obter a salvação da minha alma, em virtude da minha vida estar por um fio. Fui cavaleiro (com cavalo de papelão) e fiz longas caminhadas de triciclo. Como a maioria dos miúdos, joguei futebol em cuecas e camisola em campo de areia negra situado no meio dum pinhal. O sonho de ser futebolista terminou quando a minha mãe, ao estranhar por aparecer com a roupa interior como carvão, me obrigou a vir até casa com tal indumentária. Que vergonha atravessar a localidade, imaginando todos os olhares fixados em mim. Da minha infância remota, recordo como era bom estar na cama, em pleno inverno, ouvindo a chuva a cair. Aparecia sempre uma lata que tilintava com os pingos da chuva do beirado. Como ainda não havia televisão, recordo os serões passados à lareira de meus avós. As cozinhas de antigamente, eram a divisão mais importante da casa. Juntava-se ali a família e amigos e era cá um desfiar de histórias de bruxas e lobisomens que se, por um lado eram empolgantes, por outro lado, era um problema voltar para casa, já de noite... Como a partir de determinada hora não era próprio uma criança estar levantada, tinha que ir à frente para casa, continuando os meus pais o seu serão. Qualquer sombra de arbusto já parecia um lobisomem em potência. A casa de meus avós distava cerca de 80 metros da minha. Os primeiros 40, até ao candeeiro público, eram percorridos com toda a calma. Depois o resto do percurso era já em plena sombra. Corria com toda a velocidade que podia dar.
Parabéns!
Olá!
Bem-vindo ao teu blog. Hoje sou eu quem escreve, daqui em diante serás tu. Criei este espaço para ti, para registares as tuas ideias, as tuas memórias, os teus desejos. Podes fazer dele o que te apetecer, o espaço é teu... fotos, poemas, histórias, recordações, etc. Podes nem escrever nada. Podes limitar-te a usá-lo apenas como intermediário para navegar pelos teus sites favoritos, e descobrir outros novos. Diverte-te.
Espero que gostes. Um dia muito feliz e parabéns!
A.
P.S: Prometo cá passar muitas vezes.