O Ciclismo da minha Infância
Estava a ver pela televisão um documentário sobre ciclismo quando me começaram a surgir na memória as Voltas da minha infância. Nessa altura, o ciclismo era um desporto muito mais humano do que nos nossos dias, dado centrar-se mais no atleta e no clube que representava.
As camisolas eram "limpinhas", o ciclista envergava as cores da sua equipa, sem qualquer tipo de publicidade. Do conjunto sobressaiam, o corredor que ia à frente na classificação geral - o camisola amarela e o guia do prémio da montanha - o camisola verde. Havia o maior respeito pelo trabalho dos adversários, a ponto de ser frequente quando um corredor passava pela sua terra, os outros participantes serem acometidos de um súbito "cansaço", possibilitando assim que o natural passasse em primeiro lugar junto dos seus.
A passagem da caravana pelas nossas terras era um acontecimento fantástico para a criançada. É preciso lembrar que ainda não havia televisão, apenas rádio. Aí uma hora antes da passagem dos ciclistas, começavam a aparecer os carros da publicidade, atirando aos espectadores que se encontravam à beira da estrada, os folhetos das marcas e produtos que comercializavam. Era empolgante disputar aqueles papelinhos que voavam em turbilhão pelo ar.
De vez em quando, aparecia um carro da organização da volta com altifalantes anunciando que os corredores já se encontravam próximos. Passado mais algum tempo, vinham vagas sucessivas de batedores motorizados da Polícia de Viação e Trânsito, com o som estridente das suas sirenes, não só informando que os ciclistas estavam quase a passar, como procurando manter a estrada livre dos assistentes mais entusiastas. Depois era o deslumbramento!... os ciclistas da nossa devoção ... e que ao longo de gerações sucessivas foram surgindo no panorama nacional: Trindade, João Roque, Leonel Miranda, Manuel Graça, Américo Raposo, Joaquim Agostinho no Sporting, Nicolau, Peixoto Alves, Francisco Valada no Benfica, Alves Barbosa no Sangalhos, Ribeiro da Silva no Académico do Porto, Joaquim Leão, Mário Silva, Sousa Cardoso no F.Clube do Porto ... e tantos outros que foram o orgulho e alimentaram o imaginário dos amantes da modalidade. Ninguém arredava o pé enquanto não surgisse o "Carro Vassoura", sinal de que a caravana já tinha inteiramente passado.
A Volta a Portugal começava sempre no Estádio José de Alvalade, com um conta-relógio por equipas. Era um momento mágico para uma criança como eu na altura. Sendo esta primeira etapa disputada à noite e com a iluminação do estádio quase apagada, tinha, porém, as luzes da pista acesas, dando um ambiente surreal com cambiantes de luz e sombras. Quando uma equipa prestava a sua prova, era lindo ver o reflexo das luzes nos raios das bicicletas e o som dos carretos qual mecanismo de relógio a passar junto dos espectadores. Depois era o entusiasmo da própria corrida, com as constantes mudanças de comando entre o grupo no intuito da equipa fazer os nove quilómetros com o menor tempo possível.
Agora, com o "progresso" e a acção devoradora do tempo, até as pistas de ciclismo foram destruídas!...
2 Comments:
Que bom poder ler mais uma das tuas histórias! Adorei. Enquanto lia este texto, recordei esse tempo de que falas e foi como se tivesse também lá voltado, ao tempo mágico da nossa infância. Obrigada por me teres levado lá...! Continua, por favor.
Beijinhos
MMS
Sim, continua! Quero saber mais histórias! E gosto tanto de as ler escritas por ti!
Um beijo grande,
Adriana
p.s: Já estás "linkado"
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